O juízo considerou que a relação entre as partes era, na verdade, uma relação de emprego, pois preenchia todos os requisitos (subordinação, onerosidade, não-eventualidade e pessoalidade).
O Autor da ação, em seu depoimento, disse que a escolha de dias e horários de trabalho é feita pelo motorista, mas que o aplicativo, por meio de promoções, induz a continuidade da jornada de trabalho.
Explicou, ainda, que recebia advertências sobre a forma de dirigir e que tinha que reportar tudo ao aplicativo, caso contrário “não conseguia fazer nada", e que chegou a ser excluído da plataforma por ter feito muitos cancelamentos de corridas.
Com base neste depoimento, a Justiça do Trabalho entendeu que o aplicativo agia como um empregador, que pune o trabalho ou serviço mal executado, orientando a forma de execução do trabalho, determinando que houvesse prestação contínua, e que fosse sempre o mesmo motorista.
A discussão sobre haver ou não relação de emprego entre aplicativos e motoristas é uma das matérias de maior repercussão na Justiça do Trabalho. Isso porque os requisitos são muito subjetivos, como, por exemplo, o que pode ser considerado como "não-eventualidade" ou "subordinação"?
A linha é tênue entre a diferenciação dos contratos de emprego (CLT) e dos contratos de prestação de serviços, pois muitos dos requisitos são plenamente aplicáveis a ambos.
O principal ponto de diferenciação é a (in)existência de subordinação, e esse é um requisito que pode ser interpretado de várias formas. Vamos a alguns exemplos práticos:
Rasgando o verbo, há subordinação quando um manda e o outro obedece. Mas e a relação motorista-aplicativo, como funciona?
Não há exigência de horários, número mínimo de viagens, e nem que o motorista trabalhe todos os dias da semana, e o aplicativo também não pode obrigar o motorista a dirigir em determinada região, ou escolher certas rotas que são mais demandadas.
E o motivo não é só que as plataformas não podem obrigar o motorista a trabalhar, na verdade, elas nem conseguem! O motorista pode simplesmente desligar o celular por dias, meses, ou até para sempre, e o aplicativo não tem o que fazer.
Em contrapartida, se o motorista atender mal os usuários e for mal avaliado, ou cancelar muitas corridas, ele pode ser descadastrado.
É importante deixar claro que o motorista não tem surpresas depois que é cadastrado pelo aplicativo. Todas as regras são apresentadas antes, nos termos de uso do aplicativo, e ele só pode começar se estiver de acordo.
É importante deixar claro que o motorista não tem surpresas depois que é cadastrado pelo aplicativo. Todas as regras são apresentadas antes, nos termos de uso do aplicativo, e ele só pode começar se estiver de acordo.
O ponto considerado pela Justiça do Trabalho foram os "incentivos" para que o motorista trabalhasse mais horas e fizesse um maior número de viagens. Isso foi considerado como subordinação, como se o aplicativo estivesse "mandando indiretamente" que o motorista trabalhasse mais.
Mas você conhece algum empregado que pode escolher quando e onde quer trabalhar, sem ter que dar satisfação ao empregador? Não? Então a conclusão é lógica: isso um tremendo absurdo!
A Fass elaborou um parecer para uma startup em 2017, no qual considerou (i) a posição do Ministério do Trabalho; (ii) jurimetria e estatísticas da Justiça do Trabalho, e; (iii) o comportamento padrão dos juízes do trabalho.
Conclusão: foi sugerido que a startup tomasse alguns cuidados para reduzir os riscos trabalhistas, como justamente evitar as punições ou incentivos para os entregadores/motoristas que nela se cadastrariam.
Vejam alguns trechos daquele parecer feito em 2017, 3 anos antes desta decisão:
E as sugestões de cautela não foram dadas porque ficou entendido que isso configura a relação de emprego, mas porque já existiam suspeitas de que a Justiça do Trabalho poderia distorcer o requisito "subordinação", e trazer decisões como esta (absurdas).
Uma grande parte da população utiliza os aplicativos de transporte, que vieram para resolver uma dor da população: a péssima qualidade dos transportes públicos e os serviços de baixa qualidade (em regra) prestados por taxistas no passado, que até então estavam blindados de qualquer concorrência.
Basta "dar um google" para perceber que a maioria das pesquisas mostra que:
De acordo com o site da Uber, hoje já existem mais de 1 milhão de motoristas e entregadores cadastrados. Dessa forma, se a decisão da Justiça do Trabalho for mantida, e começar a ser reproduzida por outros juízes, o que você acredita que empresas como essa irão fazer? Nós não sabemos... mas reflexões que deixamos aqui são:
1ª) Decisões como essa, que, em tese, protegem um ou outro trabalhador que "se sentiu" empregado - mesmo não tendo qualquer surpresa desde a contratação -, no fim das contas, não acabam prejudicando toda uma categoria que vê nos aplicativos uma forma de acréscimo da renda?
2ª) Será que já não passou da hora de ouvir a opinião dos motoristas/entregadores e a perspectiva deles, antes de a justiça presumir que os está defendendo?