Quando o almoço de domingo interfere na assembleia: o acordo de sócios em empresas familiares

Empresas familiares exigem acordos de sócios que equilibrem legado, gestão e sucessão.
Publicado em:
10/4/2025
Categoria:
Societário

Existem temas que parecem pertencer a mundos diferentes, mas que vivem colidindo na realidade das empresas brasileiras. Um deles é o entrelaçamento entre relações familiares e decisões empresariais. E quando o negócio cresce e o número de envolvidos também, essa colisão vira, muitas vezes, um problema de governança — ou melhor, da falta dela.

Em ambientes onde o “tio fulano” é diretor financeiro e o “primo cicrano” controla o comercial (apesar de nunca ter passado por um RH na vida), as fronteiras entre o que é da empresa e o que é da família ficam borradas. É aí que o acordo de sócios deixa de ser apenas um instrumento contratual e passa a ser o que ele realmente precisa ser: um protocolo de sobrevivência intergeracional.

Planejar é garantir que a empresa continue mesmo quando quem comanda já não estiver mais à frente.

E antes que você ache exagero, pense em quantas empresas familiares você conhece que fecharam as portas porque o fundador faleceu sem deixar nada claro sobre quem assumiria o controle. Ou porque dois irmãos brigaram e levaram o litígio para a Justiça, com impactos não só na operação, mas também na reputação da empresa no mercado. Quando se trata de negócio em família, tudo é mais sensível. Por isso, o instrumento jurídico precisa ser mais robusto.

Cláusula de sucessão: quando a herança é mais que patrimônio

No mundo das empresas familiares, sucessão não é uma questão de “se”, mas de “quando”. E, muitas vezes, esse “quando” chega sem aviso prévio. A ausência de uma cláusula de sucessão bem estruturada no acordo de sócios é como pilotar um avião sem plano de pouso: uma hora a turbulência vem.

Mas não estamos falando apenas de inventário e transmissão de quotas. Estamos falando de poder de decisão. Quem vota? Quem assume o cargo de administração? Quem continua na operação e quem deve se afastar?

A cláusula de sucessão bem redigida pode — e deve — conter regras sobre o ingresso de herdeiros na sociedade, distinguindo direitos patrimoniais (como receber lucros) dos direitos políticos (como votar ou ser administrador). Em alguns casos, recomenda-se condicionar o ingresso à aprovação dos demais sócios ou à comprovação de competência técnica, de forma a evitar que o controle da empresa caia nas mãos erradas, mesmo que dentro da família.

Além disso, pode prever mecanismos de liquidez, como a obrigação da empresa (ou dos demais sócios) de comprar a participação do falecido, evitando que herdeiros desalinhados se tornem sócios por inércia.

Cláusula de profissionalização: empresa não é extensão da sala de estar

Em algumas empresas familiares, o organograma parece mais com a árvore genealógica do fundador. Cargos são distribuídos com base no sobrenome e não na qualificação. Isso não só compromete a eficiência da gestão como também afasta bons talentos — familiares ou não — que percebem que ali o mérito tem pouco espaço.

Algumas decisões não podem esperar pela próxima turbulência.

Por isso, o acordo de sócios deve prever uma cláusula de profissionalização clara. Ela pode estabelecer critérios objetivos para a ocupação de cargos estratégicos, como exigência de formação superior específica, tempo mínimo de experiência em outras empresas ou avaliação por comitês de governança.

É também possível prever a separação entre propriedade e gestão, permitindo que familiares sejam sócios, mas não necessariamente executivos. Esse modelo é comum em grandes grupos familiares que optam por contratar profissionais do mercado para cargos chaves, mantendo os familiares em conselhos de administração ou em instâncias deliberativas.

Essa distinção preserva o valor afetivo do negócio sem comprometer sua performance — afinal, afeto é ótimo, mas não substitui uma boa DRE.

Cláusula de resolução de conflitos: paz na mesa e no contrato

Imagine dois irmãos discutindo sobre expansão internacional da empresa, com visões completamente opostas. Agora imagine que essa discussão evolui para um impasse societário, que trava as deliberações e afeta fornecedores, colaboradores e clientes. Se não houver uma cláusula de resolução de conflitos no acordo de sócios, o único caminho é o Judiciário — onde as decisões demoram, os custos são altos e a exposição é inevitável.

Para evitar esse cenário, o ideal é estabelecer cláusulas de mediação e arbitragem. A mediação, especialmente, é indicada em contextos familiares, pois permite que as partes dialoguem com apoio de um terceiro imparcial, buscando soluções negociadas. Já a arbitragem pode ser usada para conflitos mais técnicos ou quando houver necessidade de decisão vinculante.

É possível também definir deadlocks solutions, ou seja, mecanismos automáticos de superação de impasses: voto de minerva de um conselheiro, sorteio entre propostas, venda compulsória de quotas, entre outros. Tudo isso evita que desentendimentos pessoais paralisem a atividade empresarial.

Outras cláusulas pouco exploradas, mas altamente estratégicas

Além das três grandes cláusulas acima, vale destacar outras que fazem diferença quando se trata de acordo em empresas familiares:

  • Cláusula de não competição entre familiares: para evitar que um membro da família use seu conhecimento do negócio para abrir empresa concorrente.
  • Cláusula de confidencialidade interna: especialmente útil quando parte da família participa da gestão e outra parte não. Nem tudo precisa (ou deve) ser compartilhado em grupos de WhatsApp da família.
  • Cláusula de avaliação periódica do acordo: o que faz sentido para a primeira geração pode estar obsoleto na terceira. Definir revisões periódicas do acordo evita que ele vire uma peça de museu.

Conclusão: empresas passam, famílias ficam — mas e se o contrário acontecer?

O sucesso de uma empresa familiar não pode depender apenas da boa vontade dos seus membros ou da memória afetiva de um fundador. O acordo de sócios é o instrumento que transforma tradição em estratégia, e afeto em governança.

O tempo passa, a liderança muda — o que fica é quem se planejou para continuar.

Empresários que se preocupam com o futuro da sua companhia não podem deixar que a herança vire um problema. Não é questão de desconfiar da família — é questão de proteger o legado.

Se você ainda não revisou ou construiu um acordo de sócios com essas preocupações em mente, talvez seja hora de fazer isso agora — antes que o próximo almoço de domingo vire pauta jurídica.

Quer conversar sobre como aplicar essas cláusulas à sua realidade? Fala com a Fass. A gente existe para isso: evitar que o contencioso seja o caminho inevitável.

Inscreva-se na
nossa newsletter

Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form.