Como evitar o perdimento de mercadorias por abandono em tempos de crise

Dias atrás um importador me procurou para contar que tinha importado muitas mercadorias para distribuir aqui no Brasil, mas que com o avanço da COVID-19 e o fechamento dos estabelecimentos varejistas, tinha medo de desembaraçar as cargas, nacionalizar as mercadorias e não conseguir revendê-las.
Publicado em:
17/6/2024

‍Dias atrás um importador me procurou para contar que tinha importado muitas mercadorias para distribuir aqui no Brasil, mas que com o avanço da COVID-19 e o fechamento dos estabelecimentos varejistas, tinha medo de desembaraçar as cargas, nacionalizar as mercadorias e não conseguir revendê-las.

‍Como as mercadorias já tinham chegado aqui e estavam armazenadas aguardando o registro das importações, me disse que não tinha a intenção de desistir delas e nem de devolvê-las pros fornecedores estrangeiros, principalmente pelo custo dessa reexportação.

‍Então, ele me perguntou se a Alfândega poderia dar algum prazo adicional – além dos noventa dias previstos no Regulamento Aduaneiro – para que ele pudesse tomar essa decisão, sem que a Receita Federal considere as mercadorias abandonadas e determine o perdimento delas.

‍A resposta que eu dei foi: talvez, a gente precisa planejar isso juntos.

‍Apesar dos esforços do Governo Federal para minimizar os efeitos da paralisação de atividades presenciais nos órgãos públicos e também do fechamento do comércio, as medidas voltadas a área de Comércio Exterior ainda são bastante tímidas, na minha opinião.

‍A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) aprovou a redução da alíquota de imposto de importação para uma série de mercadorias relacionadas à prevenção e ao tratamento da COVID-19 e também determinou que essas mercadorias tenham tratamento prioritário na liberação. A Anvisa, na mesma linha, liberou temporariamente a importação e fabricação de algumas mercadorias sem a necessidade de notificação prévia. A Procuradoria da Fazenda Nacional, por sua vez, paralisou as cobranças de contribuintes em débito.

‍Mas, de fato, até o momento não houve um pronunciamento oficial sobre a suspensão dos prazos para a nacionalização de mercadorias. Então, ainda vale a regra do Regulamento Aduaneiro, que diz:

Art. 546. O despacho de importação deverá ser iniciado em:
I – até noventa dias da descarga, se a mercadoria estiver em recinto alfandegado em zona primária;
II – até quarenta e cinco dias após esgotar-se o prazo de permanência da mercadoria em recinto alfandegado de zona secundária; e
III – até noventa dias, contados do recebimento do aviso de chegada da remessa postal.

‍Caso o despacho de importação não ocorra nos prazos previstos no Regulamento Aduaneiro, existe o risco da aplicação da pena de perdimento das mercadorias por abandono, também prevista no Regulamento (art. 689, IX).


Lendo a letra da lei, o "talvez" que eu disse ao importador parece não fazer muito sentido, não é?


‍Acontece que para a Receita Federal decretar o perdimento das mercadorias por abandono, existe um requisito que não está expresso na Lei: o animus abandonandi (nunca usamos latim aqui na Fass, mas vou explicar). O animus abandonandi nada mais é que a vontade de abandonar a mercadoria.

‍Em diversas ocasiões, o judiciário afastou a aplicação do perdimento das mercadorias por abandono, por que os importadores demonstraram o real interesse nelas, seja comprovando que tentaram conseguir os recursos necessários para a nacionalização delas, seja porque informaram alguma impossibilidade pontual durante o prazo de nacionalização, ou mesmo por terem solicitado o desembaraço depois do prazo de noventa dias.

‍Transformar uma demanda como essa em processo judicial é uma medida extrema. Por isso, a minha resposta ao importador foi: “vamos planejar juntos”, exatamente para evitar o processo judicial.

‍É bom saber que temos um bom prognóstico para uma ação judicial, mas é melhor usar o prazo para planejar todas as operações de importação e distribuição em andamento, por que há formas de evitar toda a dor de cabeça de um processo administrativo de perdimento (e eventualmente de um processo judicial). Por exemplo:

a) transferir as mercadorias da zona primária para a secundária;
b) solicitar o entreposto aduaneiro delas; ou
c) solicitar prazo adicional à Alfândega, informando o interesse nas mercadorias, mas que o prazo adicional é necessário frente aos reflexos da pandemia da COVID-19 no comércio.

‍Eu listei três exemplos, mas existem outros caminhos possíveis. Em todo caso, é necessário avaliar todas as operações da empresa importadora, para verificar em quais operações será mesmo necessário um prazo alargado, se é economicamente e comercialmente viável aguardar por mais tempo e todas as outras variáveis possíveis dentro de um bom planejamento de importação e distribuição de mercadorias.

‍Vivemos um momento de incertezas, isso está claro. Mas as empresas que se planejaram (e as que estão se planejando agora) terão as ferramentas necessárias para passar por esse momento, ainda mais sólidas e eficientes.

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