É inegável o elevado índice de litigiosidade que aflige o Poder Judiciário, com especial destaque ao número de ações judiciais em que figura, em um dos polos da lide, o Estado, considerado um dos maiores litigantes do país.
E, tradicionalmente, quando se vislumbra a Fazenda Pública figurando como parte em um determinado processo, já se remete à ideia de morosidade da justiça, provocada pela resistência processual exagerada. Isso se deve ao fato de que, na esfera processual, o Poder Público é vinculado ao dever da oficialidade, ou seja, da atuação de ofício nos processos em que é parte, a fim de zelar pela proteção do patrimônio e do interesse público.
Em virtude deste problema, o fenômeno chamado de desjudicialização, que se apresenta como extensão do direito ao acesso à justiça, se revela como de grande importância para a efetivação do direito do cidadão, além de representar um verdadeiro “alívio” ao Judiciário.
Considerando este cenário, como o poder público, por meio da Advocacia Pública, pode contribuir consideravelmente para a redução da litigiosidade fazendária do país, que muitas das vezes envolve empresas, nas mais diversas disputas judiciais?
A principal questão que se deve considerar é que, não obstante todas particularidades afetas à atuação da Fazenda Pública em Juízo, deve-se ter em mente que não deve o advogado público agir de forma incondicional em prol de uma proteção ao erário ou de uma indisponibilidade absoluta do interesse público, sobretudo quando, para isso, acabe por não aplicar corretamente o ordenamento jurídico-normativo.
Como é de conhecimento, todos os agentes públicos se vinculam à legalidade e não estão autorizados, portanto, a atuarem contra disposição de lei ou de forma em que a legislação não permita. Quanto ao conceito de interesse público, Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 2013, p. 73) ensina que o interesse público (aqui considerado apenas o primário), na realidade, consiste justamente naquele que a lei prevê como sendo o interesse da coletividade, manifestando-se na “observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o interesse de todos”. Cláudio Madureira (Advocacia Pública. 2015, p. 57), interpretando essa conceituação, pressupõe o interesse público como sendo a “correta aplicação do direito”.
É oportuno observar que a Constituição Federal (art. 131 e 132) confere aos advogados públicos as atividades típicas de consultoria jurídica e de contencioso judicial das respectivas unidades federadas.
A atividade consultiva, então, exercida cotidianamente no âmbito administrativo do ente público, é destinada à orientação dos agentes estatais sobre como deve se dar a aplicação do direito, apresentando-se, inclusive, como uma forma de prevenção de conflitos jurídicos envolvendo o Poder Público. Aqui, há emissão de pareceres e demais manifestações internas a fim de, nos termos da norma aplicável, formar as súmulas e enunciados administrativos, com o objetivo de uniformizar o posicionamento do Ente Público sobre determinada questão, além de influenciar a atuação contenciosa do Estado. Por sua vez, a função de contencioso judicial se caracteriza pela atuação do Estado em juízo.
Por outro lado, é importante notar que existe ainda no âmbito de atuação da Advocacia Pública, uma terceira função típica, qual seja, o controle interno da juridicidade (legalidade em sentido amplo) dos atos da Administração, por meio do qual se busca controlar a correta aplicação do direito pela Administração Pública. Na prática, ele é realizado justamente por ocasião do exercício das atividades consultiva e contenciosa pelos advogados públicos.
Aqui que reside a resposta à indagação inicial: quando esse controle é realizado no âmbito da atividade de contencioso judicial, é possível que o Procurador, por exemplo, disponha de interesses transitoriamente defendidos em juízo, em uma lide concreta em que esteja representando o Ente Público, que se revelem contrários ao Direito. Neste contexto, percebendo que o ato impugnado foi praticado em desrespeito ao ordenamento jurídico, cumpre ao advogado público deixar de apresentar defesa ou interpor recursos, bem como procurar promover a conciliação no processo, dentre outras ferramentas possíveis para reverter o ato antijurídico e encerrar a lide.
No contexto das funções consultiva e de controle interno de juridicidade, os órgãos jurídicos da Estado podem, então, firmar orientações através de pareceres, manifestações, enunciados ou súmulas administrativas, com possibilidade de vincular os órgãos estatais e nortear a Administração rumo à correta aplicação do Direito, inclusive em relação à postura processual.
Como exemplo prático, podemos considerar o caso de cobrança de tributo de uma empresa, sendo que, mais adiante, se percebe que o tributo não é devido ou que o empresário contribuinte não é aquele a quem se deveria cobrar, ou que está se cobrado valor a maior em uma execução fiscal. Ora, é certo que cobrar esse tributo, embora seja favorável ao interesse da administração pública, é contra o interesse público.
Pelo exposto, não restam dúvidas que a contenção de litígios fazendários (muitos envolvendo empresas) e a desjudicialização são formas de promover direito fundamental à razoável duração do processo e combater a morosidade do Poder Judiciário, o que definitivamente pode ser instrumentalizado com muita eficiência pelo própria Fazenda Pública.