O Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade: Garantia de defesa ao sócio-gerente?

Publicado em:
22/9/2023
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No ano de 2017, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN publicou a Portaria n.º 948 que regulamenta o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR.

O PARR tem como objetivo apurar a responsabilidade de terceiros pela prática de infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela própria PGFN.

Em resumo, com a apuração da dissolução irregular por meio do PARR, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado serão pessoalmente responsabilizados pelos créditos tributários da pessoa jurídica, conforme permissão do artigo 135, III, do Código Tributário Nacional - CTN.

Antes da Portaria n.º 948/2017, a PGFN apenas inseria o nome do sócio administrador na Certidão de Dívida Ativa - CDA como corresponsável pelo débito ao constatar indícios da infração.

Por conta disso, inúmeras eram as discussões sobre a violação ao contraditório e ampla defesa, com predominante ganho de causa ao contribuinte nestes casos.

Assim, o PARR surgiu justamente com a ideia de afastar qualquer alegação de ofensa a direito fundamental do terceiro.

Mas e na prática? Será que a portaria resguarda direitos ou permanece o mesmo cenário de violações, porém, convenientemente mascarado?

Apesar de ter sido editada há mais de 3 anos, a Portaria tem se mostrado com maior relevância no cenário brasileiro neste ano de 2020, visto que nos últimos meses a PGFN elevou o número de procedimentos instaurados responsabilizando diversos sócios administradores pelas dívidas das empresas.

Recentemente, atuamos em um caso em que o sócio de uma empresa foi notificado da abertura de um PARR em seu desfavor por débitos inscritos em nome da pessoa jurídica por suposta dissolução irregular baseada em inaptidão por omissão de declarações.

A empresa, contudo, estava em atividade e as declarações haviam sido entregues, de modo que apresentamos impugnação com a devida documentação comprobatória.

Apesar de todas as provas em favor do administrador, a PGFN não acatou a impugnação nem o posterior recurso, concluindo ainda, para a surpresa geral, que o meio de defesa utilizado era inadequado.

Somente após o emprego de esforço acima do que era necessário e tempo empreendido na demanda, o quadro foi finalmente revertido em favor do sócio.

Sem adentrar nos fundamentos ou eventuais equívocos cometidos pela PGFN ao proferir suas decisões neste caso específico, o fato é que o PARR, de maneira geral, não nos parece instrumento hábil para garantir ampla defesa e contraditório, mas esconde, sob seu manto, suas verdadeiras intenções: manter a inclusão arbitrária do sócio administrador na CDA quando a cobrança em face da pessoa jurídica for ineficaz.

Se olharmos atentamente, podemos ver que o exercício da defesa não é pleno, mas um tanto quanto árduo e até mesmo duvidoso.

A conclusão acima pode ser retirada de alguns pontos pautados na própria Portaria 948/2017.

Sem adentrar nos fundamentos ou eventuais equívocos cometidos pela PGFN ao proferir suas decisões neste caso específico, o fato é que o PARR, de maneira geral, não nos parece instrumento hábil para garantir ampla defesa e contraditório, mas esconde, sob seu manto, suas verdadeiras intenções: manter a inclusão arbitrária do sócio administrador na CDA quando a cobrança em face da pessoa jurídica for ineficaz.

O primeiro deles, é o caráter imparcial do julgamento.

A Portaria prevê que a impugnação será apreciada pelo Procurador da Fazenda Nacional da respectiva unidade responsável pela inscrição em dívida ativa, enquanto a autoridade competente para o julgamento do recurso será, em regra, o Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, e o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada

Isso quer dizer que a própria PGFN administra os créditos, notifica o suposto infrator por razões que ela considera viáveis, bem como julga, em primeira e segunda instância sua defesa, o que revela a imparcialidade do julgador tendo em vista o interesse arrecadatório.

O artigo 18 da Lei do processo administrativo (Lei 9.784/99) veda expressamente a atuação de servidor ou autoridade que tenha interesse direto ou indireto na matéria relacionada nos autos.

O segundo ponto é que a norma restringe o direito de defesa do terceiro ao determinar expressamente que a impugnação deverá se limitar à discussão objeto do PARR, ou seja, qualquer matéria de defesa relacionada à constituição ou validade da dívida não é passível de apreciação pelo procedimento.

Como se isso não bastasse, acaso rejeitados a impugnação e o recurso, a responsabilização do terceiro poderá ter efeito sobre todos os débitos fiscais já inscritos em dívida ativa ou que vierem a ser, em cobrança judicial ou não, em nome da pessoa jurídica.

Ou seja, haverá a responsabilização abstrata e irrestrita do sócio administrador ainda que a defesa tenha sido, de início, limitada a créditos específicos.

Por fim, o terceiro ponto a ser analisado trata-se da abertura que a Portaria traz de possibilitar a inclusão de novo sujeito passivo pela PGFN em Certidão de Dívida Ativa já constituída, o que não é admitido nem pelo CTN nem pelo Superior Tribunal de Justiça.

É a Receita Federal a autoridade administrativa competente para constituir o crédito tributário pelo lançamento que, conforme define o artigo 142 do CTN, é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido e identificar o sujeito passivo.

o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sumulado no enunciado n.º 392 de que não cabe revisão/substituição da CDA para modificar o sujeito passivo da execução, o que somente seria possível por meio de um novo lançamento.

Portanto, há grande discussão acerca da ilegalidade da modificação de elemento do lançamento pela própria PGFN, consistente na inclusão de novo sujeito passivo.

Todos essas considerações convalidam o mascaramento do PARR em garantir a ampla defesa e o contraditório e respaldam a necessidade de se buscar sempre auxílio jurídico a fim de evitar o perecimento de direitos aparentemente preservados.  

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