Paradoxo é uma figura de linguagem que se caracteriza pela reunião de ideias contraditórias dentro de um mesmo contexto, ocasionando uma aparente falta de nexo ou de lógica, e pode também ser definido como algo contrário à opinião ou ao senso comum.
Ao tratarmos de matéria relativa à cobrança de tributos pelo Estado, não são raras as vezes que nos deparamos com situações paradoxais, exatamente da forma como definida acima, principalmente quando há influência do judiciário na questão.
A partir do momento em que se formam decisões reiteradas dos Tribunais Superiores reconhecendo o descabimento de determinada cobrança, a causa torna-se praticamente ganha em favor do contribuinte.
Ainda assim, o contribuinte sabe que, administrativamente, não pode deixar de recolher o tributo sob pena de responder pelo cometimento de uma infração, e se submeter ao pagamento de juros e multa.
Quer algo mais paradoxal que isso? Porque não para por aqui...
A contradição torna-se ainda maior quando a discussão ultrapassa a esfera dos Tribunais Superiores e alcança o âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão que atua judicialmente na defesa dos interesses da União.
Isso porque, a Lei 10.522/2002 que, em regra, obriga os Procuradores a apresentarem defesas e recursos em todos os processos em que a União é parte, abre espaço para raras exceções como, por exemplo, a existência de parecer fundamentado do Procurador-Geral permitindo a dispensa de tal obrigação, o que geralmente ocorre quando já existem decisões reiteradas dos Tribunais Superiores dando ganho de causa ao contribuinte.
O problema é que, nem sempre as referidas dispensas vinculam a Receita Federal, que é o órgão responsável pela fase administrativa da arrecadação, e que inclui o próprio lançamento do tributo.
A consequência disso é clara: O contribuinte será cobrado administrativamente e, por causa disso, se verá obrigado a contratar um advogado para demandar uma ação no judiciário (já abarrotado), por conta de uma causa ganha, em que não haverá qualquer resistência da parte contrária.
E aí será aberto mais um processo que nunca deveria ter existido!
Mas se assim não o fizer, continuará custeando indevidamente os cofres públicos, o que, infelizmente, também é a realidade de muitos (principalmente em se tratando das pequenas empresas).
Um exemplo atual dessa situação paradoxal é a cobrança da taxa de utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) das empresas que praticam operações que envolvem importação de produtos.
A referida taxa está prevista na Lei 9.716 de 1998 e, em 2011, seu valor foi indevidamente majorado por meio de ato administrativo do Ministro de Estado da Fazenda.
O aumento descabido do tributo foi amplamente reconhecido em diversas decisões proferidas pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal, o que levou a PGFN editar, no ano de 2018, a NOTA SEI n.º 73, desobrigando os Procuradores de apresentarem defesa ou recorrer nos processos de mesmo tema.
Ocorre que, como já observado, a orientação da PGFN não vincula a Receita Federal, de modo que, mesmo depois de passados dois anos da edição da Nota, as empresas continuam pagando a taxa em valor exorbitante, ou sendo autuadas por não recolhimento, de modo que a única solução para este problema continua sendo a ação judicial.
E advinha quem acaba sendo o maior prejudicado nessa história?
O NCPC trouxe mudanças significativas às condenações da Fazenda Pública quanto ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte que sai vencedora de uma ação judicial.
Acredito que não precisamos nem dizer, mas fica claro que o prejudicado é o contribuinte, posto que, na verdade, a manutenção desse paradoxo é extremamente vantajoso para a União.
Temos notado que, nos últimos anos, a PGFN tem autorizado cada vez mais desistências de defesa de processos judiciais, e esse aumento parece ter influência direta com a vigência do novo Código de Processo Civil (NCPC), em 2016.
O NCPC trouxe mudanças significativas às condenações da Fazenda Pública quanto ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte que sai vencedora de uma ação judicial.
O valor dessa condenação passou a ser muito mais elevado do que era praticado no antigo código e, por causa disso, a perda de uma ação tem, hoje, muito mais relevância econômica para a União, ao passo que a desistência a exime de qualquer pagamento, segundo a Lei 10.522/2002.
Por outro lado, a manutenção da cobrança de um tributo que não foi considerado indevido por decisão vinculante, ainda que todas as circunstâncias levem a crer que isso acontecerá em um futuro próximo, é extremamente vantajoso para a Receita Federal que, muito frequentemente, não é obrigada a restituir todos os valores pagos por todos os contribuintes, mas somente a quem optou em discuti-los judicialmente.
Como consequência lógica, o contribuinte é forçado a contratar um advogado para ajuizar uma ação judicial sabidamente ganha pela própria parte contrária, além, é claro, do tempo e dificuldade que enfrentará para recuperar o crédito que lhe pertence de direito após o encerramento do processo.
Porém, o que precisamos ter em mente é que a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional são órgãos pertencentes ao mesmo ente federativo, e vinculados ao mesmo Ministério (Ministério da Fazenda), o que é razão suficiente para tomarem decisões que se complementam e não se contradizem.
Afinal, no direito brasileiro, quando tratamos do conceito de manifestação da vontade de um órgão público, o entendimento mais aceito é a denominada “teoria do órgão” ou “teoria da imputação volitiva”, segundo a qual o órgão é parte integrante do Estado e a sua vontade é indissociável da pessoa jurídica que ele integra.
Concluindo, é certo que atos incoerentes ou contrários ao senso comum praticados pelo mesmo órgão merecem ser extintos e rechaçados pela nossa sociedade, principalmente quando o maior prejudicado são aqueles que contribuem com o Estado... que nesse caso é VOCÊ!