Os carros voavam e as pessoas usavam roupas que se ajustavam ao corpo e possuíam função “secagem rápida”, os advogados não existiam e os julgamentos ocorriam sem a defesa dos acusados - em outras palavras, a sociedade era cruel, utópica e surreal!
Por mais que o retratado no filme não tenha correspondido a realidade, fato é que vivemos em um universo jurídico que jamais era pensado pelos legisladores da década de 80, então imaginem os legisladores do Código Tributário Nacional (CTN) de 1966!
Exemplo disso é que temos uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo, e em pleno ano de 2020, sofremos com a ausência da garantia dos direitos fundamentais pelo Estado, como ao da saúde em tempos de pandemia.
Nem mesmo a Constituição Federal de 1988, cerca de 22 mais jovem que o CTN, se mostra aplicável em algumas questões que surgem.
Nosso CTN foi editado na vigência do regime militar, onde os ideais republicanos eram vistos com outro prisma, inseridos numa década em que a economia brasileira estava ganhando liberdade.
Hoje a tecnologia rompeu os limites territoriais e a economia brasileira está em ascensão, porém vivemos uma insegurança jurídica no contexto das discussões tributárias, que são as mais estranhas possíveis, desde a definição de atividades tributadas como prestação de serviço ou consumo, até a natureza jurídica das impressoras 3D e seus insumos, definição de tributação da nuvem e das novas tecnologias, entre outros temas.
Fato é que precisamos de uma reforma tributária, mas a pergunta que não quer calar é “que tipo de reforma teremos que engolir”?
Para responder a essa pergunta precisamos lembrar que a tributação brasileira é baseada no consumo, prestação de serviços, renda e propriedade, sendo a maior parte da arrecadação oriunda do consumo.
Cada ente político tem sua competência definida constitucionalmente, e em caso de divergência entre contribuinte e fisco, o judiciário faz o papel de capataz, pondo fim ao conflito.
O problema é que, na prática, o sistema é tão complexo que as decisões geram mais discussões, e no fundo, no fundo, não sabemos o quanto pagamos de tributos, mesmo estando eles presentes desde o acender de uma lâmpada até a compra do pão francês na padaria.
Nesse sentido, surgiram as propostas de reforma tributária, sendo a PEC nº 45/2019 de autoria do Deputado Baleia Rossi, protocolada na Câmara dos Deputados e apadrinhada pelo economista Bernard Appy membro do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), com o slogan de simplificação tributária.
Aquela PEC extingue 05 tributos (PIS, COFINS, ISS, ICMS e IPI), determinando a criação por lei complementar do IBS (imposto sobre bens e serviços), baseado no modelo europeu com alíquota máxima de 25%, e de outro tributo federal com caráter seletivo, ou seja incidiria apenas sobre produtos específicos como o cigarro, bebidas e etc.
O principal ponto de atenção dessa PEC é que uma alíquota única onera de forma direta e indiscriminada os prestadores de serviços, o que pode impactar diretamente na queda da demanda e acesso aos mesmos.
No caso da advocacia, por exemplo, quando essa presta um serviço jurídico e recebe em honorários no valor de R$1.000,00, se a PEC for aprovada, os advogados deverão recolher o valor de R$250,00 de imposto, um aumento de quase 450% da alíquota atual (que é de 4,5%), para quem inicia nas faixas de tributação do simples nacional.
Outros pontos que a PEC toma como norte, são quanto ao aumento da transparência da tributação para o contribuinte em razão da alíquota única, a implantação progressiva do IBS ao longo de 10 anos e o fim dos incentivos fiscais.
Ao que parece essa PEC não privilegia os princípios tributários, como a capacidade contributiva e a igualdade tributária, mas parte do pressuposto que a uniformidade de alíquota e a repartição de receitas resolverão os problemas, o que gera margem para dúvidas em um país marcado pela guerra fiscal, com 27 estados gananciosos do ponto tributário, além de 13 milhões de pessoas vivendo em situação de miserabilidade segundo o IBGE (que sequer tem acesso aos serviços básicos).
Além disso, uma transição tão longa pode não ser efetiva, e com muitos incidentes de percurso por causa de nosso sistema político eleitoral rotativo, sem contar que a extinção total dos benefícios fiscais representa um regresso em áreas que hoje produzem emprego e renda para milhares de famílias do nosso país.
Seria a PEC 45/2019 uma proposta que atende aos anseios brasileiros, ou aos de seus apoiadores, como a Coca Cola Brasil, Vale e Banco Itaú?
Já a PEC 110/2019, segunda proposta em trâmite, porém no Senado, é relatada pelo Deputado Roberto Rocha e altera de forma substancial o sistema tributário constitucional na medida que extingue 09 tributos (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS) e cria duas espécies tributárias, o IBS (imposto sobre bens e serviços) e o imposto seletivo sobre bens e serviços específicos.
O IBS dessa PEC teria sua alíquota implementada através de lei complementar, sendo que a promessa é que tais alíquotas sejam reduzidas e privilegiem a tributação sobre o consumo, além de, ademais, não extinguir os benefícios fiscais (diferente da 45/2019).
O que gera preocupação na PEC 110/2019 é que grande parte do sistema tributário estará sujeito a elaboração de leis infraconstitucionais, que podem ser facilmente maculadas por interesses políticos no Congresso.
Uma boa comparação a esse receio seria termos um carro sem as rodas, ou seja, tem boa estrutura, mas não alcança o fim com que foi criado.
Divida em 04 fases, essa proposta visa alterar vários tributos, iniciando com a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com alíquota de 12%, em detrimento a extinção da PIS e da COFINS, conforme prevê o PL 3.887/2020.
Por outro lado, temos a terceira proposta em trâmite, que foi ensaiada desde 2019 pelo Ministério da Economia e protocolada em 21 de julho pelo Ministro Paulo Guedes.
Divida em 04 fases, essa proposta visa alterar vários tributos, iniciando com a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com alíquota de 12%, em detrimento a extinção da PIS e da COFINS, conforme prevê o PL 3.887/2020.
Um ponto delicado da CBS é o aumento da carga tributária para os contribuintes das contribuições extintas (PIS e COFINS), que somadas equivalem atualmente a 3,65%, 1/3 da alíquota da CBS.
Outra questão interessante do PL é a criação da responsabilidade tributária das plataformas digitais e a previsão de exclusão do ICMS destacado, ISS, descontos incondicionados e a própria CBS, da base de cálculo do tributo, o que evitaria discussões infinitas como atualmente nos tribunais.
A segunda fase será marcada pela reformulação IPI e impostos indiretos sobre o consumo, visando, portanto, fomentar a economia e a movimentação de mercado.
A expectativa da terceira fase é de que sejam realizadas alterações do imposto de renda, tanto de pessoa física como de jurídica, sendo que, no primeiro caso, a ideia é reduzir alíquota, alterar as deduções e aumentar uma faixa de tributação e, no segundo, o objetivo é reduzir impostos sobre as empresas e tributar lucros e dividendos distribuídos.
Já a quarta fase será marcada pela desoneração da folha de pagamentos, que hoje engloba uma grande fatia da lucratividade das empresas e que torna a admissão de empregados tão custosa.
Em compensação, com a perda da arrecadação, o governo cogita criar uma espécie de tributo com alíquota de 0,2% sobre as operações digitais. Seria essa contribuição uma nova CPFM? Até o momento não existem confirmações.
Por fim, o Ministro da Economia afirmou categoricamente que o objetivo da proposta é distribuir a carga tributária e não aumentá-la, mas certamente pela experiência externada naqueles cabelos brancos, podemos prever que a redistribuição de carga gerará um aumento da arrecadação tributária, pois uma parcela maior da população pagará a conta.
São esses os principais aspectos a serem conhecidos sobre as propostas de reforma tributária.
A nós, cidadãos brasileiros, compete uma análise do cenário e de preferência com a anotações mentais dos nomes políticos envolvidos nas votações, tendo em vista que poderão voltar nas próximas eleições, sendo nosso direito vedar esse ingresso, pois todo poder é exercido pelo voto.
No segundo filme da franquia De Volta Para o Futuro, Marty McFly viaja para o ano de 2015 e se depara com um mundo completamente diferente do que vivia em 1985.