A sua empresa pode ser executada em um processo do qual nunca participou?

O STF redefine a execução trabalhista e limita a cobrança contra quem não foi réu no processo.
Publicado em:
27/10/2025
Categoria:
Trabalhista

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 1.232 da repercussão geral, finalizado em 10 de outubro, estabeleceu um marco de segurança jurídica que não pode ser ignorado por empresários e gestores. Por unanimidade, a Corte máxima do país alterou uma prática consolidada na Justiça do Trabalho, blindando empresas de serem incluídas de surpresa na fase de execução de um processo do qual jamais fizeram parte. O entendimento, na prática, põe fim a uma era de imprevisibilidade que custava caro ao ambiente de negócios.

Por muitos anos, vigorou no processo trabalhista a possibilidade de que a execução — a fase de cobrança forçada do débito — fosse redirecionada para empresas que, embora não citadas na petição inicial, fossem consideradas parte de um mesmo grupo econômico ou sucessoras da devedora original. Essa dinâmica, ainda que bem-intencionada ao visar a satisfação do crédito do trabalhador, gerava uma profunda anomalia processual e uma insegurança jurídica avassaladora. Uma empresa saudável e completamente alheia a um litígio poderia, da noite para o dia, ter suas contas bloqueadas e seus bens penhorados sem nunca ter tido a chance de se defender, apresentar provas ou sequer ser ouvida na fase de instrução e julgamento (a chamada fase de conhecimento). Era a aplicação de uma pena sem o devido processo.

A tese fixada pelo STF busca exatamente corrigir essa assimetria. A partir de agora, a regra geral é clara e restritiva: a cobrança da dívida trabalhista só pode ser promovida contra a empresa que efetivamente participou como ré na fase de conhecimento do processo.

O ônus agora é de quem acusa

A decisão do STF transfere para o reclamante (o trabalhador) um dever processual que, embora pareça sutil, é transformador: o de ser diligente e completo desde o início. Agora, cabe ao autor da ação, já na petição inicial, indicar de forma expressa todas as pessoas jurídicas que ele entende serem corresponsáveis pela dívida, fundamentando com provas os motivos para essa inclusão.

A participação na fase de conhecimento agora é a única porta de entrada para a responsabilização de uma empresa.

No contexto de um grupo econômico, isso significa que a mera alegação de sócios em comum ou o uso de uma mesma marca já não são mais um passaporte para uma inclusão automática e tardia na execução. O reclamante deverá demonstrar, desde a largada, os elementos que configuram o grupo econômico nos termos da lei, para que todas as empresas apontadas tenham a oportunidade plena de apresentar sua defesa, produzir suas provas e participar da audiência de instrução. A batalha jurídica, portanto, deve ser travada desde o primeiro dia e com todos os oponentes no campo.

Para os empresários, essa mudança reforça a importância de manter estruturas societárias claras e com responsabilidades bem demarcadas. A organização contábil, a formalização de contratos entre empresas do mesmo grupo e a governança corporativa, que já eram vitais, agora se tornam a principal linha de defesa. Uma empresa que não for devidamente citada para se defender na fase de conhecimento não poderá, como regra, ser surpreendida com a conta na fase de execução.

As exceções que confirmam a regra

Como toda grande tese jurídica, o entendimento do STF possui exceções bem delimitadas, que visam coibir fraudes e garantir justiça em cenários de má-fé. O redirecionamento da execução para terceiros que não participaram da fase de conhecimento foi admitido, de forma excepcional, em apenas duas hipóteses claras:

Sucessão empresarial

Se uma empresa é legalmente sucedida por outra (em casos de fusão, aquisição ou incorporação, por exemplo), a sucessora assume naturalmente as obrigações trabalhistas, mesmo que o processo original estivesse em nome da sucedida. Aqui, a responsabilidade é transferida junto com o negócio.

Abuso da personalidade jurídica

Casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial — o famoso "uso indevido do CNPJ" para blindar patrimônio de forma fraudulenta — continuam a permitir o redirecionamento da cobrança.

As exceções à regra permitem olhar por trás da fachada, mas apenas em casos de fraude ou sucessão empresarial.

É crucial notar, entretanto, que mesmo nessas situações excepcionais, o STF exigiu a observância do procedimento legal específico para a desconsideração da personalidade jurídica. Isso significa que a empresa a ser incluída terá o direito ao contraditório e à ampla defesa dentro de um incidente processual próprio, podendo se manifestar e produzir provas antes que seu patrimônio seja efetivamente atingido. A decisão, portanto, não apenas limitou o redirecionamento, mas também garantiu um rito mais justo e ordenado até mesmo para as inclusões excepcionais.

Um novo jogo para processos antigos e futuros

A magnitude dessa decisão se estende também ao seu alcance no tempo. As regras fixadas pelo STF se aplicam, inclusive, a redirecionamentos de execução que ocorreram antes da Reforma Trabalhista de 2017, o que abre uma janela de oportunidade para empresas que foram incluídas em processos de forma irregular.

O STF estabeleceu apenas três ressalvas para a aplicação imediata da nova tese: casos já transitados em julgado (onde não cabe mais recurso), créditos que já foram integralmente pagos e execuções que foram encerradas ou definitivamente arquivadas. Na prática, isso significa que inúmeras empresas que foram arrastadas para a fase de execução sem terem participado da fase de conhecimento podem, agora, contestar essa inclusão com base no novo entendimento vinculante da Suprema Corte, desde que o processo de execução ainda esteja em aberto.

A nova tese obriga a olhar para o passado (processos em curso) com as regras do futuro.

Para o empresariado, a decisão do STF no Tema 1.232 é um chamado ao aprimoramento da governança e do compliance trabalhista. Em um cenário onde a segurança jurídica é finalmente reforçada, a transparência e a diligência na gestão se tornam a melhor blindagem contra surpresas processuais.

Considerações finais

A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Tema 1.232 é um divisor de águas no direito processual do trabalho. Ao exigir a participação na fase de conhecimento como regra absoluta para a responsabilização na execução, o STF não apenas restaura a garantia constitucional do devido processo legal, mas também limita a imprevisibilidade que por tanto tempo fragilizou grupos empresariais e puniu a organização corporativa.

Para as empresas, o recado é direto: a blindagem patrimonial se fortalece, mas a exigência de diligência na governança e na assessoria jurídica aumenta na mesma medida. Este é o momento de, com orientação especializada, revisar imediatamente os processos de execução em andamento e garantir que, em novos litígios, a defesa de todas as empresas do grupo seja estruturada de maneira estratégica desde a petição inicial. A clareza processual, antes um ideal, é agora uma regra do jogo — e o principal ativo de uma gestão juridicamente eficiente.

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