Além disso, apenas no mês de novembro de 2023, foramregistrados 175 pedidos de recuperação judicial, um aumento de 196% emcomparação ao mesmo mês de 2022, o que foi considerado um número recorde noBrasil[2].
Grandes grupos empresariais estão presentes nestalista, tais como: Americanas, Grupo Petrópolis, 123 Milhas, SouthRock(Starbucks e Subway)[3]e, ainda recentíssimo, na data de 25/01/2024, a companhia Gol também apresentoupedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, informando uma dívidaaproximada de vinte bilhões de reais[4].
Acredita-se que a alta inadimplência entre asempresas ainda é o reflexo da pandemia vivenciada nos anos de 2020 e 2021, queprovocou enorme queda no faturamento e obtenção de crédito perante asinstituições financeiras para suportar o período de escassez econômica. Alémdisso, no cenário pós-pandêmico ocorreu o aumento da taxa juros e encerramentode medidas de apoio econômico do governo.
Nesse contexto, a recuperação judicial é mecanismojurídico importante ao empresário para preservação de sua atividade, uma vezque resultará na reorganização interna e na reestruturação das dívidas devidas existentesaté a data do pedido da recuperação judicial.
A denominada Lei de Recuperação Judicial e Falência(LRF), lei nº 11.101/2005, é que estabelece as etapas e procedimentos a seremcumpridos pela pessoa jurídica. Trata-se de instituto complexo, mas fundamentalem momentos de recessão econômica.
Ao criar tal norma, a intenção do legislador foiconferir uma visão social ao instituto, considerando a necessidade de manutençãoda empresa, mas não somente. Também a manutenção dos empregos a elarelacionados e a preservação do interesse de credores e terceiros, demonstrandode forma clara o estímulo à atividade econômica.
O legislador ainda se utilizou de importantes princípiosnorteadores, dentre os quais se destacam o Princípio da Preservação da Empresae o Princípio da Função Social da Empresa, que estão intimamente ligados.
Segundo tais princípios, sob a ótica do direitoempresarial, a empresa não pode limitar seu papel ao de “fonte produtora”, poisnão atenderia o seu fim social. A empresa desempenha, na verdade, papel detransformação e desenvolvimento econômico e social, haja vista asubsistência de seus empregados, fornecedores e terceiros por meio da atividadecomercial por ela desenvolvida.
Significa dizer, portanto, que a LRF não possuifinalidade única de proteção do empresário ou da sociedade empresária envolvidana recuperação judicial, mas visa também a proteção ampla da própriasociedade, do Estado e de terceiros que se beneficiam da atividade empresarialexercida.
Por conseguinte, a partir do deferimento darecuperação judicial, é consequência lógica que os credores intensifiquem avigilância sobre o patrimônio da empresa em recuperação judicial e, por vezes,também dos sócios e administradores, na tentativa de identificar eventual abusoou a confusão patrimonial.
Isso porque, a LRF, em seu art. 49, §1º, assegura osdireitos dos credores contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.Além disso, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor preveem, de modoexcepcional, a possibilidade de os credores apresentarem pedido de desconsideraçãoda personalidade jurídica, na tentativa de redirecionar a busca de ativosfinanceiros para os sócios e/ou administradores da empresa em recuperaçãojudicial.
Para melhor compreensão acerca da desconsideração dapersonalidade jurídica quando há relação de consumo configurada, adiante serãoabordadas as modalidades de desconsideração da personalidade jurídica e oporquê da sua importância para os sócios e administradores das sociedadesempresárias.
A primeira modalidade é denominada desconsideração dapersonalidade jurídica “clássica”, regida pelo art. 50 do Código Civil, aqual exige a comprovação do abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade (atointencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), ou a confusãopatrimonial, em razão da adoção da Teoria Maior.
Já a segunda, que é o foco principal deste artigo, édenominada a desconsideração da personalidade jurídica “contemporânea”, regidapelo art. 28, §2º e §5º, do Código de Defesa do Consumidor e, diferentemente daconcepção anterior, para sua configuração basta i) a comprovação doestado de insolvência da empresa e ii) que a personalidade jurídicaconstitua obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor, dadaa aplicação da Teoria Menor.
A despeito da desconsideração da personalidadejurídica “contemporânea” dispensar a prova de fraude, do abuso de direito ou daconfusão patrimonial, acrescente-se que não é possível a responsabilizaçãopessoal de quem não participa do quadro societário da empresa e daquele que,embora seja sócio, não desempenhe atos de gestão e tampouco contribua para tal.
Nesse sentido, quandodo julgamento do REsp 279.273/SP, no qual foi relatora a r. Ministra NancyAndrighi, ela expressamente mencionou a não exigência de prova da fraude ou doabuso de direito, tampouco a comprovação da confusão patrimonial, “bastando queo consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor e o fato de apersonalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízoscausados”.
Na mesma linha, no recentíssimojulgamento do REsp 2.034.442/DF, na data de 12/09/2023, a TerceiraTurma do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido deque é admitida a responsabilização dos acionistas controladores da SociedadeAnônima (S.A.), uma vez que exercem a gestão da referida sociedade[1].
Na mesma linha, no recentíssimojulgamento do REsp 2.034.442/DF, na data de 12/09/2023, a TerceiraTurma do Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido deque é admitida a responsabilização dos acionistas controladores da SociedadeAnônima (S.A.), uma vez que exercem a gestão da referida sociedade[5].
O fundamentoprincipal do aludido recurso era o fato de que os recorrentes, ora acionistas, nãoocupavam a posição de sócio das empresas – em recuperação judicial – quetiveram a sua personalidade jurídica desconsiderada, mas sim o posto deacionistas controladores. Logo, não haveria previsão legal para que opatrimônio dos acionistas respondesse pela dívida cobrada pelo consumidor, masapenas o patrimônio dos sócios.
Todavia, oentendimento da Terceira Turma foi no sentido de que o tipo societário não éobstáculo à desconsideração na forma do art. 28, §5º, do CDC (Teoria Menor),de modo que a responsabilidade deve recair sobre as pessoas incumbidas dagestão da empresa, sejam eles sócios-gerentes das sociedades limitadas, administradoresde sociedades por ações ou acionista controlador ou sócio majoritário,afastando-se inclusive a alegação de suposta ofensa às disposições da Lei dasSociedades por Ações (Lei nº 6.404/76).
Como visto, areferida decisão é de extrema relevância para os envolvidos na gestão desociedades empresárias, pois confere a previsibilidade necessária para onegócio e demonstra a necessidade de atenção direta à proteção do patrimôniopessoal dos sócios, acionistas e/ou administradores.
Sabe-se que os desafios empresariais são múltiplos e,por isso, limitar a exposição de seu patrimônio pode reduzir consideravelmenteos riscos inerentes ao mercado[2].
Desse modo, considerando a legislação aplicável e ajurisprudência assentada, torna-se imprescindível que os sócios,administradores e/ou acionistas, ora envolvidos nagestão de sociedades empresárias, atentem-se à realização de um prévioplanejamento patrimonial, que reduza os impactos de uma eventualdesconsideração da personalidade jurídica proveniente de uma ação de naturezaconsumerista.
A jurisprudência émutável, logo, o entendimento da Corte Superior pode vir a ser modificado emmomento futuro, mas considerando a essência do microssistema consumerista, queconsiste na proteção do consumidor enquanto parte mais vulnerável da relaçãojurídica, esse tipo de relação jurídica sempre deve ser considerado um ponto deatenção para o mercado, numa ótica generalista.
Por fim, não sedeve confundir o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com oscasos em que os membros da sociedade empresária respondam pelas obrigaçõessociais, de forma subsidiária, em razão do tipo societário escolhido e aobrigação legal vinculada a ela. Tratam-se de fenômenos distintos.
[1]Serasa Experian. Primeiro semestre do ano registrou 593 pedidos derecuperação judicial, mostra Serasa Experian. Disponível em:https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/analise-de-dados/primeiro-semestre-do-ano-registrou-593-pedidos-de-recuperacao-judicial-mostra-serasa-experian/
[2] Serasa Experian. Novo recorde:novembro registra 175 pedidos de recuperações judiciais, revela Serasa Experian.Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/analise-de-dados/novo-recorde-novembro-registra-175-pedidos-de-recuperacoes-judiciais-revela-serasa-experian/
[3] Forbes. Dados mostram aumento nos pedidos derecuperação judicial e falência em 2023. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-money/2023/12/aumento-nos-pedidos-de-recuperacao-judicial-e-falencia-em-2023/
[4] CNN Brasil. Gol entra com pedido de recuperação judicial nos EUA. Disponível em:https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/gol-entra-com-pedido-de-recuperacao-judicial-nos-eua/
[5] Recurso Especial nº 2.034.442/DF. Superior Tribunalde Justiça. Disponível em: emhttps://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=208060582®istro_numero=202203340678&peticao_numero=&publicacao_data=20230915&formato=PDF
Dados do Serasa Experian demonstram quesomente no primeiro semestre de 2023 o total de pedidos de recuperação judicialalcançou 593 solicitações nos meses de janeiro a junho, o que representou umaalta de 52,1% em relação ao mesmo período do ano de 2022, o maior número dosúltimos três anos.[1]